segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Conto de 1950

 Getty Images - Foto Masa ASANO

A cada virada de ano, a nossa família se reune para dar adeus ao ano que se foi e para saudar o novo ano, bem como para agradecer as bênçãos vividas, relembrar acontecimentos engraçados e, muitas vezes, para repassar histórias antigas às novas gerações... Certa vez, dentre fotos e histórias, me deparei com um conto de 1950, mas não gostei muito do achado, não!!!

Vou explicar o motivo...

O conto foi muito bem escrito por minha avó (uma senhora muito romântica), chama-se “Destino” e trata do encontro casual de ‘almas gêmeas’ em uma estação de trem...

Resumidamente, em uma manhã de verão, um rapaz alto e elegante aguardava o seu trem quando, de repente, percebeu que uma moça adentrou bastante apressada pensando haver perdido o horário do trem que a levaria ao casamento de uma grande amiga... Intrigado com a vivacidade da moça, o rapaz se aproximou, comentou que o trem estava atrasado devido ao acidente ocorrido em outra cidade e, educadamente, perguntou se poderia lhe fazer companhia enquanto aguardavam...

No decorrer da conversa, todavia, a jovem Sílvia percebeu que aquele desconhecido, já grisalho, possuía a maioria das qualidades que ela julgava necessárias em homem com o qual ela, um dia, pretendia constituir a sua família...

Bem mais vivido, por sua vez, Paulo estava, a cada minuto, atônito com aquela sensação que ele tão bem conhecia e que parecia querer retornar... Mesmo sem forças, ele não poderia permitir isso, pois as cicatrizes deixadas pela vida ainda eram bastante visíveis - o seu primeiro amor foi levado embora de forma bastante dolorosa - e, além de viúvo, ele tornou-se triste, muito triste!!!

Jovem e inexperiente, Sílvia encantou-se com Paulo e ele, sem saber, ao certo, que sentimentos eram aqueles que ela despertou naquele coração sofrido e, muito menos o que deveria fazer, deixou-se levar, em um primeiro momento... Sentia-se um adolescente, pensando na forma pura e, até, infantil como Sílvia encarava a vida e os problemas que lhe surgiam...

Como eles não moravam na mesma localidade, tanto que se encontraram na estação de trem da cidade de uma terceira cidade, pois ele precisou de uma agência bancária e, ela, comprar o presente de casamento para a amiga... Bem mais vivido, Paulo percebeu que, talvez, o destino não daria outra chance ao casal, já que cada um embarcaria em seu trem e desembarcariam em seus destinos finais... Dessa forma, decidiu se aproximar para, ao final, pedir o telefone de Sílvia...

Depois desse dia, nunca, em toda a sua vida, Paulo viajou tanto de trem...


Em uma das suas visitas, sempre avisadas antecipadamente, combinaram tomar sorvete na pracinha próxima à Igreja... O tempo passava muito rápido quando eles estavam juntos, conversando sobre a vida e, em um destes encontros, ele falou do seu medo de amar e sofrer, outra vez, pois ainda sentia as terríveis dores ocasionadas pela perda!!!

Sílvia não compreendia o que Paulo falava ou, até, compreendia, mas não aceitava... Na sua simplicidade, ela sabia que, a despeito do sofrimento anterior de Paulo, a vida seguia o seu curso independente de qualquer acontecimento, além do fato de que ela não desejava provocar uma nova dor naquele homem que havia conquistado o seu coração... Para ela, o passado era uma referência da vida dele e o futuro seria a redenção, já que ambos estavam apaixonados, mereciam amar e ser felizes!!!

Paulo, todavia, não queria se arriscar a sofrer novamente... A sua vida havia sido muito dura, o sofrimento havia se acumulado ao longo dos anos e, quando Sílvia surgiu, ele não conseguiu encontrar o caminho para chegar ao amor e à felicidade, pois havia se tornado um descrente em quase tudo!!!

Sílvia, vendo a angústia nos olhos daquele homem, no auge do seu desapego, disse: “Vá, Paulo, siga o seu caminho e seja feliz! É melhor ter você, longe e feliz, do que perto, infeliz!”... E despediram-se com um manso e sereno beijo...

Nessa hora eu achei que ela deveria ter lutado mais por aquilo em que acreditava e sentia, no caso, o amor!!! Creio que, como está difícil encontrar um amor verdadeiro nos dias de hoje, considerei-a frágil e infantil...

Daí, antes de finalizar a leitura, questionei o motivo pelo qual minha avó havia escrito um conto tão 'sem pé nem cabeça'... Calmamente, ela ajeitou os óculos e me disse: “Sílvia, em sua simplicidade, sabia amar; Paulo, em sua maturidade, tinha medo de sofrer; e você, menina romântica e imediatista, talvez não vá gostar do final, melhor não ler!”

Fiquei curiosa, lógico!!! Não ler o final??? Pois sim...

Bem... Torci demais para não ler sobre duas pessoas que haviam se encontrado, por acaso, descoberto um sentimento forte e verdadeiro e, do nada, virarem as costas ao amor... Mas, à medida em que lia, vi que a minha avó não havia colocado um ponto final na história...

Mais uma vez, perguntei por que ela escreveu dessa forma, sem finalizar o conto... Ela disse que quando temos um sentimento envolvido, precisamos estar preparados para o que iremos viver, mas o sentimento deve brotar dos nossos corações, não podemos transferir essa responsabilidade para uma outra pessoa!!!

E continuou a me falar que “quando Paulo decidiu se afastar de Sílvia, ele imaginou que ela pudesse provocar muita dor se a perdesse e, dessa vez, ele não teria mais forças para lutar”... “Já Sílvia, quando não entendeu os motivos de Paulo para que se afastassem, ela ficou muito triste, pois imaginou que ele fosse o responsável por toda aquela alegria que sentia, não ela própria”...

Fiquei pensando na resposta e, claro que concordo que apenas nós mesmos somos responsáveis por aquilo que sentimos, não vejo como 'delegar' alegria, medo, tristeza a outra pessoa... Podemos, até, sentir junto, como ocorre com o amor, mas não somos capazes de contagiar a outra pessoa com os nossos medos e alegrias!!!

E minha avó tinha razão, sim... Muitas vezes, no auge do 'imediatismo', queremos que uma situação aconteça ‘da nossa forma’ e esquecemos que tudo acontece como tem de ser... Apenas algum tempo após (e algum inconformismo também, lógico), vemos que Deus sabe o que faz e que não adianta ‘dar murro’ em ponta de faca!!!

Sílvia, com o seu desprendimento, demonstrou maturidade e sabedoria e, quem sabe, com o decorrer do tempo, Paulo superará os traumas do passado e voltará, para ela, em busca do sentimento despertado???

Isso aconteceu há mais de oito anos..

Minha avó mostrou que, quando realmente gostamos, somos capazes de 'abrir mão' daquela pessoa apenas para não vê-la sofrer... Mas que eu já estava pronta para reescrever o final desse conto, isso eu estava, sim!!! :)

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